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Arabismos na arte italiana

ARABISMOS NA ARTE ITALIANA

(Texto que será capítulo de um livro coletivo. Atualmente no site https://neoarabe.hcommons.org/)

Carmen Lícia Palazzo.

O intercâmbio comercial entre o Oriente e a Itália, durante um largo período no qual eram intensas as atividades do que depois ficou conhecido como Rota da Seda, não apenas foi intenso mas também se revestiu de características muito peculiares já que os mercadores italianos desfrutavam de um estatuto muitas vezes privilegiado nos portos levantinos.

Nos séculos XIII, XIV e XV os muçulmanos eram parceiros importantes nos negócios com cidades como Veneza, Nápoles e Gênova. Tornou-se bastante comum, no rastro de tais relacionamentos, a apropriação de elementos decorativos de origem árabe e turca para incorporá-los em objetos de arte italianos.

Pintores passaram a reproduzir em suas telas os tapetes orientais nos mais variados contextos. O artista, assim, conferia à sua obra um imediato sentido de luxo, de riqueza. Mesmo que a cena em questão não tivesse nada de orientalista na sua temática e nem pretendesse remeter a algum tipo concreto de encontro entre o Ocidente e o Oriente, a presença do tapete oriental era, muitas vezes, um recurso para demonstrar a importância dos personagens ali retratados.

No século XIV, Simoni Martini pintou uma cena da coroação do rei de Nápoles, Roberto de Anjou, tendo no piso um magnífico tapete oriental que certamente era uma das mercadorias mais prezadas pela nobreza europeia para demonstrar seu status.

Outro exemplo marcante é o de uma pintura de Antonello da Messina, do século XV, com a figura de São Sebastião em primeiro plano. Ao fundo, em uma passagem aberta, entre duas torres, estão pendurados dois tapetes orientais com padronagens distintas, mas ambas muito elaboradas. Uma delas corresponde claramente ao que hoje denominamos tapetes da Anatólia.

Além dos tapetes, foi a caligrafia árabe que se destacou como um importante testemunho do quanto o Oriente era cobiçado e imitado através de belas imagens. A presença da escrita árabe ou, melhor dizendo, pseudo- árabe, dava a impressão de que o texto poderia ser lido por quem conhecesse aquele idioma. Na verdade, porém, tratava-se apenas de um expediente decorativo bastante usado pelos pintores italianos, ou seja, a imitação de um alfabeto não latino em busca do efeito exótico.

Giotto e Gentile da Fabriano, entre outros, fizeram uso da escrita atualmente denominada pseudo-árabe para ornamentar os halos da Virgem Maria e dos anjos, bem como para as bordas das vestes de vários de seus personagens.

Rosamond E. Mack, ao analisar os halos nas pinturas de Giotto, pretende descartar o que chama de um efeito “puramente decorativo” e considera possível que o artista tenha pretendido associar as cenas de suas obras à Terra Santa e ao início da era cristã, enfatizando o que denomina o “programa internacional da Igreja”, de propagação de uma fé universal. (Mack, Rosamond. Bazar to Piazza: Islamic Trade and Italian Art: 1300-1600 (Berkeley/Los Angeles: University of California Press, 2002).

No entanto, parece-me que Mack, com tais conjeturas, minimiza a importância do fascínio ocidental pelo Oriente e, sobretudo, pela estética oriental. E, ao buscar explicações internas ao cristianismo para os arabismos na arte europeia, ela estaria deixando de explorar outras leituras que poderiam levar em conta uma presença maior do Islã nas representações europeias. (Tal debate desenvolvemos em um ótimo evento na Smithsonian Institution, há alguns anos, com a presença da autora, na oportunidade de uma grande exposição sobre a Rota da Seda.)  

É importante, a meu ver, destacar que o cenário oriental era bastante familiar à elite italiana e principalmente à de Veneza. E os entrepostos comerciais italianos nas margens orientais do Mediterrâneo foram excepcionalmente bem sucedidos durante muito tempo.

Uma tela de um pintor anônimo veneziano provavelmente do século XV e atualmente no Museu do Louvre retrata uma recepção dada em Damasco para embaixadores ocidentais. Nessa obra as referências à arquitetura da cidade são bastante conformes à realidade o que nos faz supor que ou o artista viajou com os europeus até à Síria ou teve acesso a desenhos de alguém que empreendeu alguma viagem semelhante e documentou o que viu. (Carmen Lícia Palazzo)

Gentile da Fabriano. Halo com escrita pseudo-árabe.
Antonello da Messina

Anônimo veneziano.
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Publicado por Carmen Licia Palazzo

Sou historiadora, viajante e escritora. Tenho diversos livros e artigos publicados e minhas pesquisas relacionam-se com História da Ásia, Rota da Seda, com as atividades dos jesuítas na China entre os séculos XVI e XVIII e com os encontros entre culturas distintas. Tenho dado aulas e ministrado palestras sobre esses temas e também sobre Al Andalus. Neste blog vou postando alguns dos meus textos, fotos e também outros artigos ou referências principalmente relacionados com relatos de viajantes e visões ocidentais sobre o Oriente.

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